ACESSIBILIDADE, DESAFIOS DA ATUALIDADE

Rachel Campos Carneiro

  1.    INTRODUÇÃO
Acessibilidade é um conceito que foi introduzido há pouco tempo nas discussões das políticas públicas no Brasil. Ele foi inserido efetivamente na Constituição de 1988, porém a sua regulamentação só veio a acontecer em 2000 pelas Leis Federais nº 10.048 e 10.098. A legislação acerca desse assunto é bastante ampla e moderna, entretanto, o maior desafio é que ela seja, de fato, cumprida.
A Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT – regulamentou as normas e padrões para a acessibilidade no Brasil, dando origem à NBR 9050 - “Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos”. Além da regulamentação, a Norma define todos os conceitos relativos a esse assunto.
Segundo a NBR9050, acessibilidade é a possibilidade e condição de alcance, percepção e entendimento para a utilização com segurança e autonomia de edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos. Deficiência é a redução, limitação ou inexistência das condições de percepção das características do ambiente ou de mobilidade e de utilização de edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos, em caráter temporário ou permanente. Já, mobilidade reduzida é a limitação, temporária ou permanente, da capacidade de relacionar com o meio e utilizá-lo. Entende-se por pessoa com mobilidade reduzida, a pessoa com deficiência, idosa, obesa, gestante, entre outras. Dessa forma, há diferentes níveis de dificuldade entre um deficiente e uma pessoa com mobilidade reduzida.
Segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, cerca de 24% da população brasileira entre 15 e 64 anos de idade apresenta pelo menos um tipo de deficiência ou mobilidade reduzida. O IBGE fez o levantamento com base nas deficiências: visual, auditiva, motora, mental ou intelectual. Nos últimos anos, esse grupo conquistou um grande espaço no mercado de trabalho. Dessa forma, o conceito de acessibilidade não se refere somente a eliminação dos obstáculos e barreiras físicas nas construções, mobiliário, no meio público, ambiental e tecnológico. Acessibilidade se relaciona à eliminação das barreiras sociais, do preconceito e discriminação.
A incorporação desse grupo ao convívio social se deve, além da mudança da postura ideológica das pessoas diante do assunto, também ao desenho universal. Este visa atender à maior gama de variações possíveis das características antropométricas e sensoriais da população na concepção do projeto. O desenho universal se baseia em 7 princípios, que são: 1- Equiparação nas possibilidades de uso; 2- Flexibilidade no uso; 3- Uso Simples e intuitivo; 4- Captação da informação; 5- Tolerância ao erro; 6- Mínimo esforço físico; 7- Dimensão e espaço para uso e interação.

2.    RELATO PESSOAL

“Há homens que lutam por um dia e são bons.
Há outros que lutam por um ano e são melhores.
Há outros, ainda, que lutam por muitos anos e são muito bons.
Há, porém, os que lutam por toda a vida,
Estes são os imprescindíveis. “
(Os Imprescindíveis – Bertolt Brecht)

A maioria das pessoas só passa a entender os problemas relacionados a acessibilidade quando são obrigadas a vivenciá-los. Não foi diferente com a minha família. Em 2007, o meu pai sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) que deixou sequelas motoras, mesmo após um intenso tratamento fisioterápico. As sequelas deixadas foram somente no lado direito do corpo. A perna se move com grande dificuldade enquanto o braço e a mão estão paralisados. Dessa forma, tudo que se refere à locomoção é um grande obstáculo, pois, infelizmente, ele não consegue se deslocar sozinho por grandes distâncias. É uma batalha diária.
O simples fato de ir à padaria localizada a um quarteirão de nossa residência tornou-se impossível. As calçadas não possuem qualquer rebaixamento que possibilite o acesso da cadeira de rodas. O trajeto deveria ser integralmente feito na rua, competindo pelo espaço com carros em alta velocidade. Na hipótese de nenhum acidente ocorrer neste trajeto, ao chegarmos ao estabelecimento nos deparamos com dois degraus. Degraus pequenos para minhas pernas ágeis; muralhas para o meu pai. Ainda bem que podemos buscar o pão para ele.
Já realizamos diversas viagens com ele após o AVC. Todas tiveram algum óbice. Meu pai é amante de praia, especialmente de Cabo Frio, no litoral fluminense. Anualmente, na condição de proprietário de uma quota condominial, ele pode usufruir 30 dias naquela cidade. Poderia, melhor dizendo, se o prédio tivesse elevadores. Novamente as escadas, nossas inimigas, dessa vez com corrimão de apenas um dos lados nos impedem de acessar nosso apartamento. O gosto pelo mar continua; a possibilidade de vê-lo é cada vez menor. Ainda bem que as lembranças perduram.
Fizemos duas viagens aéreas com ele durante este tempo. Uma para Foz do Iguaçu e outra para Buenos Aires. Em ambas informamos previamente à companhia aérea que iríamos embarcar com um passageiro com mobilidade reduzida que fazia uso de cadeira de rodas. Em ambas, em algum dos trechos aéreos, não pudemos realizar o embarque pela ponte e tivemos que usar as escadas. Um trabalho de equipe foi realizado nessas ocasiões. Ainda bem que temos uma equipe em família para isso.
Transportes públicos urbanos não mais fazem parte da vida dele. Nunca. Em nenhuma hipótese. Os motoristas não estão aptos a operar os elevadores. Os pontos não estão aptos para que o embarque seja realizado. Ainda bem que temos carro próprio.
Os prédios públicos não são exceção. Na agência da Receita Federal de minha cidade (à qual ele teve de comparecer por diversas vezes para gozar de isenções tributárias que lhes são asseguradas), a vaga reservada aos deficientes fica em uma rampa com inclinação assustadoramente elevada. Para que ele consiga descer do carro e chegue à porta sem cair são necessárias duas pessoas. Uma para puxá-lo pela frente e outra para escorar as suas costas. Ainda bem que sempre tivemos essas pessoas.
A falta de acessibilidade, principalmente, no cenário urbano fez com que meu pai fosse aprisionado dentro de casa. Para uma pessoa que era totalmente ativa, esse aprisionamento forçado quase resultou numa depressão. Ele se sentiu improdutivo. Tivemos, todos os dias, que encontrar novas formas para inseri-lo no convívio coletivo e no contexto urbano. 
Viver esse drama diário abriu os meus olhos para uma dura realidade. Milhares de pessoas, por motivos vários, todos alheios às suas vontades, são excluídas, impossibilitadas de levar uma vida independente, uma vida normal. Ao contrário da grande maioria, nós pudemos driblar a maior parte dos problemas enfrentados pelo meu pai. Todavia, a maior parte dos deficientes não é tão afortunada quanto nós. Para eles o mundo é um lugar hostil e, quase ninguém, faz nada para reverter o quadro.

3.    CONCLUSÃO
Através da nossa experiência pessoal, é possível afirmar que não existe uma edificação ou um espaço urbano totalmente acessível. O que encontra-se são espaços adaptados, entretanto, a maioria das adaptações não estão dentro das normas da NBR 9050. Além disso, elas só são feitas quase exclusivamente para deficientes físicos. Não abrangem outros tipos de deficiências, como as auditivas e as visuais.
A falta de acessibilidade é um descumprimento da lei, visto que um indivíduo perde o direito de ir e vir.  O caminho a ser trilhado para a mudança do quadro encontrado hoje é muito longo. Avante! Ela deve partir do Poder Público, mas também da conscientização das pessoas acerca das dificuldades e obstáculos vivenciados pelos deficientes. Desejo que no futuro o número de pessoas que passa pela mesma situação do meu pai seja bem menor.

4.   REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- Costa, Gabriela RV, IMML MAIOR, and NM de Lima. "Acessibilidade no Brasil: uma visão histórica." III Seminário e II oficina Acessibilidade, TI e Inclusão digital. Faculdade de Saúde Pública/USP-São Paulo. Disponível em:< bauru. apaebrasil. org. br/arquivo. phtml (2005)
- Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 9050: Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. ABNT, 2004
- Dado do IBGE, Censo de 2010. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/00000009352506122012255229285110.pdf.> Acessado em 15 de Dezembro de 2014.





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