Patrimônio Artístico e Histórico: uma política para preservar a memória de uma sociedade ou a construção de cartões postais para a venda de imagem de cidades históricas?

O objetivo do texto a ser apresentado é trazer o debate sobre o verdadeiro papel da preservação do patrimônio nos dias atuais: uma questão de resguardar a memória de sua sociedade ou um artificio político para vender cartões postais em cidades históricas atraindo com isso visitantes? 

Atualmente pode-se olhar com certa desconfiança sobre as políticas de preservação adotadas pelos órgãos competentes. Ao contrário do que é encontrado em teorias fundamentais do restauro e estudiosos mais recentes que abordam o tema, o que se vê na prática é um descaso do poder público e incoerência do IPHAN como órgão fiscalizador.

Tratando de cidades como Ouro Preto-MG e Mariana-MG, a primeira com o título de “Patrimônio Cultural da Humanidade” e a segunda tombada pelo IPHAN, percebe-se fora de suas sedes um desrespeito com as edificações religiosas, onde, com muita facilidade em vários distritos, pode-se observar intervenções completamente agressivas ao bem edificado, isso quando ainda não foram demolidas para construção de capelas contemporâneas. 

No distrito de Águas Claras, em Mariana-MG, esse fato foi concretizado. Segundo depoimentos de moradores, na época a Capela foi demolida tendo como justificativa a necessidade de ter um templo maior para os cultos religiosos, assim também como o anseio de moradores em possuir uma construção mais contemporânea. A questão é: onde estavam os órgãos competentes para proteger esse bem?

Essa indagação permanece também em várias outras “capelinhas” distritais de Ouro Preto e Mariana, onde intervenções como construções de puxadinhos são realizados em monumentos sem a menor preocupação com a memória local. Em outros casos percebe-se a retirada de pisos originais como tabuados e ladrilhos hidráulicos para a aplicação de cerâmicas e granilitos. 

Esse descaso pode ser observado também em algumas capelas nas sedes. Se por um lado a preservação de grandes monumentos artísticos e históricos localizados em partes nobres das cidades é mantida sobre uma fiscalização rigorosa dos órgãos reguladores, por outro, capelas mais periféricas localizadas em áreas marginalizadas encontram-se sob total anonimato e com sérios riscos de ruir caso nada seja feito.

Se essas edificações afastadas dos centros turísticos por um lado não possuem uma arquitetura expressiva de caráter monumental, por outro possuem um valor histórico insubstituível, sendo umas das primeiras Capelas construídas no Estado de Minas Gerais, quando não a primeira, como é o caso da Capela de Santo Antônio na cidade de Mariana-MG.


Dessas reflexões fica a pergunta: será a preservação do patrimônio realmente instrumento de salvaguarda de bens significativos para a sociedade ou apenas aparelho para uma valorização comercial visada ao turismo e venda de uma imagem da cidade?


Artigo de referência: “Patrimônio Histórico: Como e porque preservar”. Disponível online:http://www.creasp.org.br/arquivos/publicacoes/patrimonio_historico.pdf

FIGURA 01: Igreja Matriz de São Gonçalo- Amarantina – Ouro Preto/MG (2010)
FONTE: Aline Trindade/ Sibele Passos

FIGURA 02: Anexos acrescidos em uma das fachadas laterais (2010)
FONTE: Aline Trindade/ Sibele Passos


FIGURA 03: Anexo acrescido em uma das fachadas laterais (2010)
FONTE: Aline Trindade/ Sibele Passos

FIGURA 04: Capela de Santo Antônio, Mariana-MG FONTE: Sibele Passos


FIGURA 05: Capela de São Luís – Povoado de Águas Claras- Distrito Claudio Manuel - Mariana-MG (construção recente)
FONTE: http://www.portaldopatrimoniocultural.com.br/site/bensinventariados/detalhe_eau.php?id=91


Grupo: Ana Cristina Pimenta e Sibele Passos


Comentários

  1. O texto propõe uma reflexão já no seu título, definindo de maneira objetiva seu conteúdo. Realmente notamos que os órgãos patrimoniais são incoerentes no que tange à preservação de muitos de seus bens. Construiu-se em Ouro Preto uma paisagem-cenário, carregada de elementos sem representação histórica, ao passo que localidades menores, distritos, arraiais, comunidades rurais, caem no esquecimento. As intervenções e fiscalizações não existem aonde o turista não chega. No caso das matrizes e capelas, lembro-me do caso de Piranga, quando, em 1966, ainda respirando os ventos do Vaticano II, a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, construída entre o final do século XVII e o início do XVIII, foi demolida para a construção de um templo de caráter mais “moderno”. Em 1972, em Santa Bárbara, a Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, século XVIII, teve sua fachada posterior cortada para o alargamento da rua. Andando pelo bairro Cabeças, em Ouro Preto, situado no caminho-tronco da cidade, notamos que seus casarões, carregados de valor histórico e arquitetônico, têm sinais de degradação do tempo, ao passo que vários do centro (embora saiba que o centro também carrega uma memória que não pode ser esquecida e muitos casarões nos mostram isso) estão conservados, mesmo que tenham menos de cinquenta anos. Parece mesmo que o cartão postal é mais importante do que a memória.

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  2. Sobre esse debate, um ponto principal que deve ser pensado é o que se considera patrimônio para aquele local. Se olharmos atentamente às condições do patrimônio no Brasil, há duas características principais na conservação: Ou há uma preocupação restrita ao considerado centro histórico, ou esse centro é simplesmente engolido pelas dinâmicas urbanas contemporâneas e suas memórias passam a não ter um significado enraizado naquele contexto. Pegando Ouro Preto como exemplo dessa análise de cartão postal, se conversar em vários bairros e distritos periféricos do município, vê-se a falta de identificação dessas zonas que atualmente compõe maioria territorial e populacional com relação ao Centro Histórico, e o que se pode inferir é que há uma memória nesses locais, não respaldada pelo patrimônio institucional e que não recebe atenção do poder público, isso gera descaso principalmente no que diz respeito ao investimento nessas regiões que, aos olhos do “tombamento” perante a humanidade, não produzem a imagem vendida para o consumo do turismo predatório. Ficam aqui alguns apelos pela democratização do conceito de patrimônio, pelo reconhecimento das memórias urbanas em toda a sua extensão. Pela inclusão social, econômica e educacional da cidade informal que jaz fora do perímetro excludentemente histórico. Por carros fora do centro. Pela memória acessível a todas (os), e não falo daquela apenas ligada à inconfidência, falo por trás das fachadas cinematográficas, falo daquelas que insistem em segregar dois mundos distintos em uma cidade só. Falo da reformulação da base de uma sociedade que torna um centro intocável, e suas periferias...ruínas.

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  3. As políticas preservação do edificado e da memória de monumentos relevantes é essencial e tem importante participação na economia de cidades históricas, mas é necessário também entender a mudança na dinâmica das cidades, e que a transformação do espaço com incorporação de novos usos é essencial.
    Obviamente a fiscalização deve ser mais rigorosa para que estas intervenções que surgem pela necessidade nem sempre degradem ou descaracterizem o bem, mas creio ser pertinente a questão da avaliação ou mesmo legislação por tais órgãos da qualidade arquitetônica das alterações que surgem, e acabam por provocar a multiplicação de modelos históricos coloniais numa espécie de revival não fundamentado que cria uma cidade cenário.

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  4. É muito difícil ter que escolher entre as duas opções citadas no início do texto, sabemos que tais assuntos são muito mais complexas que o OU, é mais uma questão de somas e subtrações. Difícil ainda é tentar compreender orgãos públicos como o IPHAN, pois o mesmo muda parcialmente sua forma de trabalhar e defender restauro de acordo com cada gestão, levando em conta não apenas as vertendes do restauro, mas também o interesse público que está estreitamente ligado à venda da cidade como local turístico.
    A partir do momento que tomamos conciência das questões burocráticas, começamos a nos indagar sobre os bens históricos, o que são eles, o que representam, que história contam e o quanto a população se identifica com ele, ele realmente deve ser considerado de valor histórico? São perguntas a serem respondidas a cada caso, não podemos dizer que tais capelas possuem altíssimo valor histórico para toda nossa população, para nossos historiadores e muito menos podemos dizer que não possuem. Até onde as interferências ferem nossa história e como elas podem modificar a vida dos moradores?
    Todos sabemos que o turismo é no mundo todo uma forma de estimular a preservação de bens históricos, devido a tal fato cidades como Ouro Preto ficam a mercê de um falso histórico, um medo intrínseco da sociedade quanto a “desfiguração” da cidade faz com que a mesma não evolua e fique sempre saturada. Criando então um falso histórico. A cidade deve antes de tudo atender aos seus cidadãos, não podemos viver de faixadas e cartões postais. Já passa da hora da sociedade ouro-pretana perceber que vivemos no século XXI e que precisamos de ações que condigam ao nosso tempo. Restauro é um dos assustos mais complexos que a arquitetura pode lidar, conservar o passado é essencial, mas saber até onde ele pode nos enfluênciar é mais ainda. O falso histórico deve parar de contar “estória”.

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  5. Fernando Silvano de Oliveira: A preservação do patrimônio em Ouro Preto como em vários outros lugares está mais atrelado a indústria do turismo que a uma vontade real de preservar o patrimônio histórico. As reformas, quando não são de interesse imediatos e mercadológicos, são conduzidas sem nenhuma fiscalização e não tendem a preservar aquilo que realmente interessa, a preservação de técnicas construtivas e resquícios de um passado que faz parte de nossa formação. Quando são de interesse turístico, a preservação se dá por esta lógica, daquilo que é atrativo para os turistas. O Iphan não fiscaliza adequadamente e problemas internos ao instituto ou burocráticos conduzem para uma política de preservação que precisa de uma urgente revisão.

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  6. Gostei muito desse tema pois aborda uma questão ampla sobre o interesse real da população e do governo em suas edificações e sua cidade e o interesse financeiro nas mesmas. A cidade de Ouro preto é hoje protegida pelo IPHAN e ganha muito com o turismo devido ao patrimonio histórico, sua economia basea-se nisso o que se torna algo interesse por preservar as edificações barrocas e sua história, porém completamente movido a dinheiro. Antes de me mudar para essa cidade, nunca havia pago, e um valor alto, para visitar uma igreja. Existem com certeza muitos moradores e funcionarios que querem de fato preservar a memória e as obras da cidade por sua história e beleza, mas que não seria possível de proteger as edficiações sem o interesse financeiro nelas.
    Na biblioteca municipal da cidade, existem muitos documentos, livros e fotos da historia de cada uma dessas obras e da cidade que em sua maioria não possuem muitos interessados nelas como afirma uma das funcionárias do local. Nós estudantes, somos os que mais buscamos saber sobre essa tão bela memória da cidade e não somente em realizar um turismo local que por vezes engloba facetas que são ate inventadas atrair turistas. É demasiadaente importante ter pessoas que não são somente movidas a dinheiro para proteger e fiscalizar essas edificações e institucionarem uma verdadeira politica de preservação da cidade de Ouro Preto para de fato efetivarem o patrimonio e o respeito a historia e memória.

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